André Roberto Ribeiro Torres
Outubro de 2022
Vivemos dias difíceis.
E já faz tempo.
O que vejo é um grande manto assombrado e contagiante feito de pequenas vozes solitárias, tristes, angustiadas e muito desesperançosas.
E ouço essas vozes todos os dias.
São vozes infantis, adolescentes, jovens, adultas e idosas que harmonizam com o medo, com a sombra fantasmagórica que esse manto faz ao cobrir o sol.
Eu sei que o sol pode ser forte demais, esturricar, assustar, ofuscar.
Mas sem sol a vida humana não consegue se manter.
Quase toda a vida da Terra segue o sol.
As plantas se contorcem todas para vê-lo. Por mais que tenha sombra, que tenha manto obscuro, elas dão um jeito.
A vida sempre dá um jeito.
Até para além da nossa atmosfera e da nossa imaginação a vida dá um jeito.
Mas a gente se esquece disso.
Quer dizer… Não é a gente que esquece.
Antes da gente nascer, aquelas vozes que fazem a sombra de medo já falavam nos nossos ouvidos inexistentes.
O medo e a prisão como conforto foi entrando em nossas células, disputando espaço com a natureza, jogando a vida fora quando o medo queria mais lugar.
E a gente acredita então que a voz do medo é maior que o sol da vida.
Acredita que certas pessoas são melhores e mais bonitas que nós.
E acredita que só essas pessoas podem nos salvar da sombra medrosa e a gente dá a nossa vida para essas pessoas.
Obedece, admira, escuta e adula essas pessoas, acreditando que um dia vai ser igual a elas.
Mas esse dia nunca chega.
Porque na sombra de medo eterno nunca tem luz no final, amanhã nunca é outro dia.
O que essas vozes não falam é que dá pra sair, se soltar.
As vozes que querem contar sobre a vida, sobre o sol, sobre as cores, sobre os cheiros, sobre as matas são vozes antigas, sábias e esquecidas.
São muito fortes mas foram aprisionadas. Só podem ser ouvidas através de lentes e embalagens preparadas para não assustar o medo, pra despertar um certo sentimentozinho, um felicismo localizado num sorriso bobo que não muda nada.
Pra sair da prisão da sombra precisa saber andar na sombra, saber conviver com o obscuro e aceitar que o medo existe.
Aceitar que a gente tem medo de escolher, que a gente tem medo de morrer.
Aceitando o medo, o manto vira uma noite. Que passa. Mas volta. Mas passa outra vez. E volta e passa de novo sempre.
A gente aprende a viver assim de dia e noite, de sombra e luz.
Sabe que tem hora de viver o dia, o sol, a luz e, mesmo de noite, com a lâmpada, a vela, a fogueira e o lampião.
Mas aí a gente já não esquece que precisa da noite, da sombra, da lua, da estrela, da curiosidade e da poesia.
Aí o manto das vozes do medo desaparece e o som pode virar música, boa conversa ou o silêncio apenas.
Mas é preciso cuidado sempre.
Não é porque a gente se libertou uma vez que está livre pra sempre.
Os donos das vozes nos observam, estudam e acompanham nossa vida de perto sem a gente perceber.
Eles percebem e provocam na gente um sentimento ruim de sentir e prometem que ele vai passar se a gente obedecer.
Fazem armadilhas que parecem maravilhosos milagres mas são só armadilhas.
Tem armadilhas químicas, mecânicas, eletrônicas, virtuais… são sistemas complicados que a gente aprende a gostar e depender e até assusta quando descobre que tem capacidades sem eles, quando percebe que pode contar com outras pessoas.
Querem que a gente goste da máquina, da arma e do motor mais que das pessoas.
Querem que a gente esqueça a vida e pegue gosto pela morte.
Querem até que a gente queira morrer.
E muita gente obedece.
Mesmo pintando um mês inteiro de amarelo, muita gente não acredita que vai ver o amarelo do dia e do sol. Se enfia na sombra angustiada do manto de tristeza e mergulha na escuridão final. Se apaga, fingindo e achando que era uma escolha pessoal.
É muito mais fácil para eles, os donos, quando a gente acredita que liberdade é querer trabalhar sem receber, querer sofrer sem necessidade e, enfim, que ser livre é querer morrer.
Quando percebi isso é que tomei como missão ajudar a gente a entender que a escuridão tenebrosa pode virar uma noite gostosa pra celebrar o dia que vem.
Que a vida não é perdição e tristeza apenas.
Tem tristeza, sim, tem angústia, sim, mas a vida é mais.
Que a gente pode recuperar pra gente o tempo, a energia e o trabalho que nos roubaram, mentindo que não eram nossos.
No momento mais difícil, mais cruel, mais nauseante e desesperançoso é que é possível perceber como nunca que a vida é nossa e só nossa, que a obrigação nunca foi real e que viver é uma escolha corajosa pra se fazer, dizendo um grande “não” a quem nos prende, sequestra e mente, exigindo que a gente seja quem não é só para estar sob controle do dinheiro e da morte.
A gente chora de ver a miséria do outro mas nem sempre percebe a nossa.
Que cada um seja o dono de sua vida e de si sem esquecer da vida de todos nós. A vida segue…
Conto com a força e o esperançar de todos nós.