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A curva da estrada

No meio do Nada tinha uma estrada.

Tinha uma estrada no meio do Nada.

Era uma estrada muito larga, com várias pistas que se colocavam lado a lado irmanamente para a composição da estrada.

Além de larga, longa.

Muito longa!

Todos sabem que estrada é o habitat dos carros, que não devemos invadir seu ambiente natural.

Porém há pessoas que não respeitam esta natureza e caminham por ela: praticamente todos nós, invasores do ambiente mecânico.

Só o que podemos dizer destas pessoas é que não têm consciência do que fazem ao andar num lugar que não é seu.

São, portanto, Pessoas Sem Consciência…

Após portanto, no entanto, há um lugar desta estrada que é mágico.

Sim!

Um lugar em que a estrada parece chegar ao fim: uma curva fechadiça.

Do outro lado, não se pode ver nada além do Nada por onde passa a estrada.

Barrancos no além…

As Pessoas Sem Consciência, ao chegarem a esta curva, percebem o que estão fazendo, pois o caminho acabou!

Encontram a velha consciência humana de que aquela estrada beirada no Nada não é o seu lugar.

Uma placa grande e sutil indica a direção: “Desespero – 2 passos”.

A reação majoritária é tentar atravessar a estrada, indo de um Nada a outro em poucos segundos.

Mas a curva da estrada é fechadicíssima e não se pode saber quando surgem carros por detrás daquela montanha de Nada.

Principalmente porque na estrada que passa entre Nadas, a velocidade é muito alta.

Todos querem cruzar a estrada do Nada o mais rápido possível!

É tão fácil ser atropelado por alguém que cruza o Nada em alta velocidade…

Por mais que se corra de um Nada a outro ainda é comum ser atropelado na dialética Auto-estrada.

E assim acontece: aquelas Pessoas-Sem-Consciência-que-tomam-Consciência-de-não-Estarem-no-Nada certo e buscam o mesmoutro Nada do outro lado da estrada são atropelados pelos que cortam os Nadas em alta velocidade, buscando apenas o seu objetivo de chegar ao fim desta estrada, que, na verdade, é circular como uma pista de fórmula um, mas sem partida e sem chegada.

Acontece que poucos sabem que há momentos na curva do Desespero em que quase não há carros, mas ninguém percebe!

Não percebe porque só vê melhor a placa anunciando o Desespero quando um cortante do Nada chega!

E é então que tenta fatalmente atravessar.

Há uma grande falta de atenção nessas Pessoas-Sem-Consciência-que-Tomam-Consciência-na-Curva-do-Desespero.

Não percebem o intervalo que acontece após o impacto do Desespero.

Estão tão acostumados com o intenso movimento que ninguém percebe a trégua.

Mas a estrada é larga!

Mesmo percebendo a pausa, é muito arriscado atravessá-la perto da curva.

Há muitos que desistem de atravessar e continuam apenas seguindo seu curso ao longo do asfalto negro, sem jamais olhá-lo.

Chegam até a esquecê-lo!

Outros se atiram na pista e os donos dos cruzadores do Nada não têm piedade: simplesmente truculam os corpos que surgem parecidos com anjos mortos caíndos do céu.

Alguns sonham com o dia em que aprenderão a voar.

É um sonho não tão possível, mas eles esperam sentados à beira do Nada e olhando para ele e imaginando rasantes e piruetas que fazem na imaginação e pretendem realizar no futuro inexistente.

Por enquanto, são bonitas paisagens do Nada…

São raros aqueles que entendem, compreendem, inventam e aprendem um jeito de fazer.

Houve quem soubesse seguir pelo acostamento da estrada do Nada, enquanto assiste ao terrível horror da curva do Desespero, mas sem parar de caminhar.

Mesmo que seja necessário caminhar entre os mortos e os sonhadores.

Ao voltar novamente o olhar angustiado e estupefato, pode-se notar que a curva do Desespero ficou pra trás, e o horizonte voltou a ter amplitude.

Após o mergulho em cada centímetro dos quilômetros é possível ter consciência e ver de longe tudo o que há na estrada noNada.

E contar os carros…

E prever as tréguas…

E atravessar brincando na hora em que quiser.

Irradiando a mais pura facilidade pra quem é capaz de estar atento.

2007

Torres Psicologia